Quer evoluir na carreira? Aprenda a zerar o ranço

Carregar ranço no trabalho drena sua energia, afeta decisões e trava sua carreira. Entenda por que zerar ressentimentos é estratégia, não fr...

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Por Ricardo Basaglia

Ricardo Basaglia é mestre em Administração pela FGV e tem extensão em Behavioral Science of Management em Yale. Head da Michael Page desde 2007, é criador de conteúdo sobre carreira e liderança, e um dos headhunters mais acompanhados do Brasil.

19 de Dezembro de 2025

Leitura de 8 min

Você conhece aquela colega que te deixou mal numa reunião há seis meses. Desde então, você evita projetos em comum, responde seus e-mails com frieza calculada, e se pega relembrando o episódio quando a vê no corredor. O problema não é mais o que ela fez. O problema é o monstro que você construiu na sua cabeça desde então.

Ranço não envelhece como vinho. Envelhece como leite. Você vai adicionando intenções que talvez nunca existiram, interpretando gestos através do filtro da mágoa, e transformando um momento desagradável numa narrativa onde você é vítima perpétua e a outra pessoa é vilã profissional. Enquanto isso, sua energia mental evapora, sua clareza de pensamento desaparece e sua carreira paga a conta.

Pesquisa da Universidade de Surrey demonstrou que pessoas que ruminam sobre problemas no trabalho apresentam déficits significativos em funções executivas – aquelas habilidades cognitivas essenciais para planejamento, memória de trabalho, flexibilidade mental e foco. Traduzindo: carregar ranço não apenas pesa emocionalmente, mas prejudica sua capacidade de tomar decisões estratégicas e completar tarefas complexas. Você não está apenas se sentindo mal. Você está ficando menos competente.

E as pessoas percebem. Pesquisa envolvendo mais de duzentos trabalhadores mostrou que segurar ressentimentos no ambiente profissional está associado a menor produtividade, mais absenteísmo e aumento de problemas de saúde mental e física, desde tristeza crônica até dores de cabeça recorrentes. O custo é duplo: você sofre e entrega menos. Seu ranço está matando sua performance enquanto você acredita que está apenas "não esquecendo" o que fizeram com você.

O cérebro humano não foi projetado para lidar bem com conflitos não resolvidos. Quando algo nos machuca e não processamos adequadamente, entramos num ciclo de ruminação – aquele replay mental obsessivo que acontece justamente quando você deveria estar descansando, focando em outras coisas, ou dormindo. Cada vez que você repassa o evento na cabeça, seu corpo reage como se estivesse vivendo o estresse novamente. É veneno em doses repetidas.

Além disso, o ranço é contagioso. Estudo longitudinal com trabalhadores chineses revelou que a falta de perdão afeta relacionamentos cruciais no trabalho, e como relacionamentos positivos são essenciais para quase todos os resultados organizacionais, segurar mágoa não apenas prejudica você – contamina a dinâmica do time inteiro. A colaboração esfria, a criatividade diminui. No final, você pode até estar trabalhando numa empresa bacana, com boas oportunidades, mas as relações ficam tão envenenadas que sair parece a única opção.

A ironia? Na maioria das vezes, o problema que gerou o ranço era menor do que você imagina agora. Mas você foi adicionando camadas. Transformou um comentário mal colocado em evidência de desrespeito proposital. Interpretou um esquecimento como rejeição deliberada. Construiu uma tese completa sobre as intenções da pessoa baseada em fragmentos e suposições. Isso não significa que você está sendo irracional ou dramático. Significa que você é humano. O viés de confirmação faz isso conosco – uma vez que decidimos que alguém é problema, começamos a enxergar tudo que essa pessoa faz através dessa lente. E aí ficamos presos numa profecia autorrealizável: tratamos a pessoa com desconfiança, ela responde com distância, e isso confirma nossa narrativa inicial. O ciclo se fecha.

Mas enquanto você está nesse loop mental, seu cérebro está gastando recursos cognitivos preciosos. Recursos que deveriam estar sendo usados para resolver problemas reais, construir coisas novas, desenvolver sua carreira. A conversa que você não teve está custando mais caro do que qualquer conversa difícil custaria.

Zerar ranço não é ser ingênuo. É recusar ser refém.

E aqui entra a distinção fundamental que você precisa entender: zerar ranço não significa tolerar abuso. Não significa ignorar comportamento tóxico. Não significa abaixar a cabeça e aceitar qualquer coisa. Às vezes, zerar o ranço significa reconhecer que você tentou resolver, a pessoa não colaborou, e o caminho mais saudável é mudar de ambiente. Essa também é uma forma de zerar – você não vai embora carregando ódio e amargura, você vai embora com clareza sobre o que não aceita e leveza sobre o que deixou para trás.

Mas na maioria dos casos, o ranço persiste porque você não teve a conversa. Você ficou remoendo, esperando que a pessoa adivinhasse, desejando que ela se retratasse espontaneamente, ou simplesmente acreditando que já era tarde demais para falar. Enquanto isso, do outro lado, a pessoa pode nem saber que te magoou. Ou pode estar com ranço de você também, pressa no mesmo ciclo destrutivo.

Índice:

Então como você sai dessa armadilha? Confira seis estratégias simples e poderosas:

1. Teste de realidade. 

Antes de alimentar o ranço por mais um dia, pergunte-se honestamente: o que eu sei de fato e o que eu estou assumindo? Muitas vezes, descobrimos que 80% da história que nos magoa está na nossa interpretação, não no que realmente aconteceu. Escreva os fatos objetivos. Depois escreva suas interpretações. A diferença costuma ser esclarecedora.

2. Fale cedo. 

Quanto mais tempo passa, mais o ranço ganha força e mais difícil fica ter a conversa. Se algo te incomodou, decida logo o que fazer a respeito. Não precisa ser formal ou dramático, pode ser simples: "Quando você disse X, eu fiquei com a sensação de Y. Faz sentido?" Às vezes a pessoa vai dizer "não foi isso que eu quis dizer, desculpa se soou assim" e pronto, ranço morto no nascedouro. Outras vezes, a conversa revela que havia de fato uma intenção ruim, e aí você ganha clareza sobre com quem está lidando. De qualquer forma, você para de ficar refém da história que inventou e se atém aos fatos e a possíveis ações.

3. Escolha leveza sobre razão. 

Muita gente segura ranço porque quer provar que está certa, quer que a outra pessoa admita culpa, quer justiça. É compreensível. Mas frequentemente, essa busca por validação externa te prende num lugar onde você não tem controle. A outra pessoa pode nunca admitir erro. Pode nunca se desculpar. E enquanto você espera por isso, sua vida continua pesada. Pergunte-se: o que eu prefiro, ter razão ou ter paz?

4. Separe a pessoa do comportamento. 

Às vezes o ranço se dissolve quando você entende o contexto. Aquela colega que te deixou mal na reunião estava sob pressão enorme de um projeto fracassado. Isso não justifica o comportamento, mas humaniza a situação. Você não precisa virar melhor amiga dela, mas consegue ver que talvez não foi pessoal, e isso já alivia o peso.

5. Cuide do seu sistema. 

Se você percebe que está ruminando constantemente – repassando conversas na cabeça durante o banho, o trânsito, antes de dormir –, isso é sinal de que seu sistema de recuperação mental está comprometido. Práticas como exercício físico, meditação, terapia, conversas com pessoas de confiança e momentos de prazer ajudam a interromper o ciclo de ruminação. Não é autoajuda genérica, é neurociência básica: você precisa dar ao seu cérebro chance de processar e arquivar a experiência, ao invés de ficar reproduzindo o trauma indefinidamente.

6. Reconheça quando é hora de ir embora. 

Se você tentou zerar o ranço, teve conversas diretas, deu chances para a relação melhorar, e mesmo assim o ambiente continua tóxico, você não está falhando por sair. Você está fazendo gestão inteligente da sua saúde mental e da sua carreira. Mas vai embora leve. Vai embora sabendo que fez sua parte, que a toxicidade não estava em você, e que você não vai carregar essa experiência como cicatriz que define suas próximas escolhas.

Aqui está o que pesquisas sobre perdão no trabalho revelaram: funcionários que conseguem processar mágoas e seguir em frente reportam maior satisfação no trabalho, mais engajamento, menos burnout. E os benefícios não param na pessoa que perdoa: times onde o perdão é praticado constroem climas organizacionais mais saudáveis, com mais confiança, mais colaboração, mais espaço para feedback honesto e crescimento real.

Isso não acontece porque todo mundo é bonzinho e ignora problemas. Acontece porque as pessoas lidam com conflitos de forma madura: resolvem se há alguma ação a ser tomada ou se seguirão adiante, conversam em tom direto, não deixam ranço virar cultura. E quando alguém erra de verdade e reconhece o erro, a organização permite que a pessoa cresça a partir daquilo, ao invés de ficar eternamente marcada pelo deslize.

Zerar ranço é, no fundo, escolher ser protagonista da sua experiência ao invés de vítima passiva da narrativa que você criou. É entender que leveza não é frivolidade, é estratégia. Pessoas leves pensam melhor, decidem melhor, colaboram melhor, crescem mais rápido. Pessoas pesadas ficam presas no passado enquanto fingem estar construindo o futuro.

A escolha é simples: você pode continuar carregando ranço e chamando isso de "não esquecer o que fizeram", ou pode zerar e chamar isso do que realmente é – e se libertar. No final, a pessoa que mais ganha quando você zera ranço é você. Não porque você virou bonzinho e perdoou todo mundo, mas porque você ficou mais leve, mais lúcido, mais forte, e mais habilidoso para lidar com as imperfeições humanas.

E ninguém constrói carreira sólida com 20 quilos de ressentimento nas costas.


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