Fim da Gerência Média?

A IA está apagando o meio da pirâmide e mudando o desenho das empresas.

Foto de Filipe Ducas

Por Filipe Ducas

Um dos maiores especialistas em Remuneração e Benefícios do Brasil, com mais de 20 anos de experiência em liderança de RH, Operações e People Analytics em gigantes como IBM, XP Inc. e OLX. Co-fundador da Comp.

24 de Novembro de 2025

Leitura de 7 min

Se amanhã você apagasse uma camada do organograma, o cliente perceberia?
Se a resposta for “não”, essa camada já é custo de oportunidade.

Nas últimas semanas, tenho falado em palestras, artigos e eventos sobre dois movimentos que estão mudando silenciosamente, profundamente, a estrutura das empresas: a seniorização acelerada das áreas de tecnologia e o apagão de talentos qualificados. Mostrei como a IA está achatando a base da pirâmide, reduzindo cargos de entrada, encurtando trilhas de carreira e pressionando as empresas a disputarem especialistas como se estivessem em um leilão contínuo.

Mas existe outra parte da pirâmide que também está sendo reconfigurada, e que pouca gente está prestando atenção.

Se a base está encolhendo, o que acontece com o meio?

É aí que mora o ponto cego de muitas lideranças: enquanto todos olham para a guerra por talentos sêniores, o maior impacto estrutural está acontecendo na camada de gerência média. E não por moda, mas por matemática, tecnologia e custo de oportunidade.

Hoje, quero falar sobre ela.

Agora imagine um desenho organizacional assim:

Ficção? Não. É o modelo operacional de empresas IA-native como OwkinOffDeal e mesmo a Comp, organizações que nascem (ou se redesenham) com a IA no centro do negócio e da arquitetura.

Nelas, o “miolo” que antes era ocupado por camadas intermediárias vira software: agentes, copilotos, automações.

E os humanos ficam onde a máquina não chega: decisão difícil, julgamento, direção e cliente

É menos hierarquia, mais fluxo, mais velocidade.

E não são só as nativas. Big Techs estão correndo atrás, e rápido.

  • Google reduziu ~35% dos gestores de times pequenos numa ofensiva de eficiência e flattening.
  • O termo “Great Flattening” já virou rótulo de mercado: Big Tech e varejo (como Walmart) cortaram middle managers para acelerar execução.
  • Gartner projeta que até 2026 1 em cada 5 empresas usará IA para eliminar ao menos metade das camadas de gestão.
  • MicrosoftBlock (ex-Square) afirmam publicamente que reduzir camadas virou imperativo organizacional.
  • Some as reestruturações amplas (Amazon entre elas) e o recado fica cristalino: controle humano virou coerência algorítmica, e isso desmonta o papel clássico do gerente que “faz follow-up, repassa recado e cobra prazo”.
     

O que está acontecendo é simples: produtividade exponencial da IA + apagão de talento crítico + pressão por margem.

 Menos gente na base. Decisões mais rápidas no topo.
E o meio…ficando sem função.

Índice:

A nova anatomia das organizações: o “losango de impacto”

Liderança vira coaching + decisão difícil; controle vira software.

Esse é o chamado modelo sanduíche, que traduz o “losango de impacto”:

  • Topo (humano): direção, padrões e trade-offs.
  • Miolo (IA): coerência, telemetria contínua, controles (sem fila de aprovação).
  • Base (humano sênior): execução próxima do cliente, leitura de contexto e decisão rápida.

O que sobra?

Menos camadas → mais autonomia nas pontas.
Mais IA → menos reunião de status, mais decisões assistidas.
Mais ritmo → menos chefia burocrática, mais líderes que formam pessoas.

“Se o ‘losango de impacto’ mostra o novo formato das organizações, cinco frentes explicam como as empresas estão se adaptando a ele: o org design, o custo da oportunidade, o papel do CHRO no redesenho, os riscos de execução e o sinal público de maturidade.

Essas cinco dimensões estruturam o que vem a seguir:

1. Org design: do organograma tradicional ao desenho que entrega velocidade

Camadas que apenas intermediavam — consolidavam status, repassavam informação, aprovavam por reflexo — viram fricção mensurável.

Spans & layers — metas pragmáticas:

  • 2–3 camadas até o C-level, quando operacionalmente viável.
  • Spans maiores em equipes sêniores; menores em times-escola (formação).
  • Menos “aprovadores”, mais DRIs (donos de decisão) com mandato e métricas claras.

2. Custo (da oportunidade): o número que não aparece no orçamento, mas corrói o resultado

Cada camada extra consome:

  • folha,
  • atraso,
  • ruído,
  • e compete diretamente com capex/opex de IAtalento crítico.

A Microsoft explicitou ao elevar spans; a Amazon ao vincular cortes à eficiência via IA.

Pense assim:

Custo de oportunidade por camada = (folha da camada + horas de espera/hand-offs × custo-hora + retrabalho) – ganhos claros de decisão.

Se a camada não retorna ao menos 3× isso em velocidade, qualidade ou impacto financeiro, ela é candidata a eliminação ou redesenho. Para o CFO, é matemática, não ideologia.

3. O papel do CHRO (com CEO e CFO): três decisões que pagam o projeto

  • Rebalancear trilhas (paridade real): Gestão não é prêmio. A trilha técnica sênior (Staff/Principal/Fellow) precisa ser paritária em progressão e banda salarial — reduz o inchaço da “gerência de processo”.
  • Redesenhar spans & layers com método: Mapeie gargalos, remova redundâncias e deixe claro quem decide o quê.
    Latência de decisão vira KPI de negócio.
  • Recalibrar remuneração para impacto: Variáveis e ILP conectados a resultado e decisão, não à manutenção de processo.
    Título “Head” só com mandato + métricas.

Regra de bolso do comitê executivo: cada camada precisa devolver múltiplos do que custa.
O resto é vaidade organizacional cara.

4. Riscos reais (e como evitar o caos do “sem gerente”)

Cortes cegos geram:

  • vácuo de liderança,
  • mentoria perdida,
  • e o future-senior gap.

Mitigue com:

  • Estruturas dedicadas à formação, com acompanhamento próximo e desenvolvimento acelerado;
  • Gestores-coach de IA, que definem padrões, guard-rails e elevam autonomia com segurança;
  • Rituais leves + dados fortes: reuniões semanais de decisão, métricas de fluxo e revisões de capacidade.

 A IA sinaliza; o humano decide e comunica.

5. Sinal público de seriedade

Quer tirar o tema do achismo e mostrar ao mercado que org design + remuneração são tratadas como alavancas estratégicas?
Prêmio de Maturidade em Remuneração da Comp, com Selo de Empresa Madura (12 meses), noticiado pelo Mundo RH é um referencial independente de governança, não um produto.

 

Playbook prático (para CHROs e CEOs):

  • Re-desenhe spans & layers com critério: 2–3 camadas; spans maiores para times sêniores; mais donos de decisão.
  • Clarifique papéis: IC sênior vs gestor: Gestão só para quem eleva o output dos outros; trilha técnica paritária evita inflar hierarquia.
  • Recalibre remuneração: Mais budget para especialistas; ILP vinculado a impacto; “Head” só com mandato real.
  • Mantenha a escada de formação viva: Rotas aceleradas, mentoria estruturada, times-escola com spans menores.
  • Rituais leves, dados fortes: Cadência semanal de decisões, revisões de capacidade e métricas de throughput.
     

IA sinaliza, humano decide, sempre.

Contra-argumento válido (e a resposta madura)

“Mas minha operação precisa de coordenação diária; sem gerente vira caos.”

Sim, plantas, logística e BPO exigem supervisão.
A resposta não é amputar, é redesenhar: menos repasse de recado, mais gestão de capacidade, padrões, segurança e gente.

Fecho com um convite

As demissões recentes deixaram claro: o meio está sob escrutínio.
O que define quem fica não é o título, é o impacto.

Quer testar isso com método? Faça um Org Audit 6×6: 6 semanas, 6 decisões:

  1. Quais camadas atrasam?
  2. Onde falta dono?
  3. Que spans podem crescer?
  4. Quem migra para trilha técnica?
  5. Quais rituais morrem?
  6. Onde investir para formar os próximos sêniores?
     

Esse é o futuro do desenho organizacional:  mais leve, mais rápido, mais inteligente.

Mas o próximo impacto não será estrutural — será humano.

Quando a IA assume o tático e as camadas somem, sobra uma pergunta inevitável:

Quais líderes e colaboradores têm as skills para sobreviver a isso?

Esse será o tema do próximo artigo:: os novos músculos da liderança e do trabalho na era da IA, e o custo de não desenvolvê-los agora.

 

 

 

 

Fontes recentes

 

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