Total Rewards 3.0: A Personalização que Engaja (e o RH que Aprende com Dados)

Descubra como dados e inteligência artificial permitem criar recompensas sob medida, maximizando o valor percebido e a retenção de talentos....

Foto de Filipe Ducas

Por Filipe Ducas

Um dos maiores especialistas em Remuneração e Benefícios do Brasil, com mais de 20 anos de experiência em liderança de RH, Operações e People Analytics em gigantes como IBM, XP Inc. e OLX. Co-fundador da Comp.

22 de Setembro de 2025

Leitura de 9 min

Como profissional da área de remuneração e RH, tenho acompanhado de perto a evolução das estratégias de recompensas nas empresas. Vivemos um momento em que a Inteligência Artificial (IA) e a análise de dados não são mais meras tendências, mas pilares fundamentais para construir pacotes de Total Rewards verdadeiramente engajadores e eficazes. 

Não se trata apenas de oferecer um bom salário, mas de entender as necessidades individuais de cada colaborador e construir uma proposta de valor (EVP) que ressoe com suas ambições e o propósito da empresa.

Índice:

A Evolução do Total Rewards: Do Básico à Abordagem Holística

Ao longo da história, o conceito de Total Rewards (TR) passou por uma transformação notável. Inicialmente, as recompensas eram limitadas à remuneração direta, como o salário, e a medidas básicas de segurança no local de trabalho. Após a Segunda Guerra Mundial, houve uma expansão significativa, com governos e corporações introduzindo benefícios como saúde, seguros e pensões.

Nas décadas de 1970 a 1990, vimos uma diversificação, com a incorporação de elementos como equilíbrio entre trabalho e vida pessoal, oportunidades de desenvolvimento de carreira e reconhecimento não monetário. Chegando ao século XXI, o conceito evoluiu para uma abordagem holística, que inclui não apenas incentivos financeiros, mas também aspectos emocionais e sociais, flexibilidade e oportunidades de crescimento.

Olhando para o futuro, e esta é uma das grandes tendências que observo, as estratégias de Total Rewards devem focar cada vez mais na customização e flexibilidade. A Proposta de Valor ao Colaborador (EVP) é essencial, pois busca alinhar as expectativas e necessidades dos colaboradores com os objetivos da empresa, criando um ambiente motivador e produtivo, e estimulando comportamentos e atitudes alinhados aos valores e à missão da empresa. 

Além disso, a transparência na remuneração, que historicamente foi tratada com confidencialidade para evitar conflitos, é agora uma exigência crescente no mercado de trabalho, impulsionada por novas legislações. Essa clareza aprimora a confiança, atrai e engaja talentos.

Por que a Personalização é Essencial

Por que, então, a personalização é tão crucial? É simples: diferentes colaboradores possuem motivações e necessidades distintas. Um pacote de remuneração e benefícios "tamanho único" simplesmente não consegue atender à diversidade de uma força de trabalho moderna. A capacidade de adaptar os incentivos às necessidades individuais e às demandas dinâmicas do ambiente de negócios é fundamental para manter a relevância e a eficácia dos programas de remuneração.

Exemplo Prático de Personalização

Imagine um colaborador recém-formado, solteiro e sem filhos, e outro, mais sênior, casado e com filhos pequenos. Suas prioridades de benefícios serão muito diferentes. O primeiro pode valorizar mais oportunidades de desenvolvimento e flexibilidade de horário, enquanto o segundo pode priorizar planos de saúde robustos para a família e auxílio-creche. Uma plataforma que permite ao RH analisar dados demográficos e de preferências dos colaboradores (coletados através de pesquisas, por exemplo) e, a partir daí, oferecer um "cardápio" de benefícios flexíveis para que cada um monte seu próprio pacote, é um exemplo claro de personalização que engaja.

O Poder dos Dados e da IA na Remuneração Inteligente

A tecnologia está, sem dúvida, redefinindo o cenário de RH e remuneração, movendo o trabalho operacional para o analítico e estratégico. Tarefas operacionais, como gestão de  controle de férias e folha de pagamento, estão sendo automatizadas, liberando o RH para focar em ações mais estratégicas.

A Inteligência Artificial (IA), especialmente a preditiva e a generativa, desempenha um papel crescente nesse processo. A IA preditiva pode analisar dados históricos para identificar padrões e prever resultados, como o risco de turnover, mudanças no grau de interações (Slack, e-mail, ferramentas colaborativas e até participação em eventos não eletivos) e resultados de pesquisas de engajamento. A IA generativa pode compor “statements” personalizados de Total Rewards para cada colaborador, traduzindo salário, bônus, ILPs e benefícios em valores anuais, com simulações de cenários (atingimento de metas, promoções, vesting) e um texto claro explicando o que muda em cada caso.

A IA pode nos oferecer:

• Diagnósticos contextuais que comparam nossa empresa com um mercado adequado ao nosso contexto.

• Méritos e promoções com menos viés, embasados em critérios que representam a proposta de valor da empresa.

• Remuneração personalizada mais alinhada com as prioridades de cada colaborador.

• Otimização de pacotes de benefícios com base nas preferências e necessidades individuais.

• Auxílio em calibrações e aumentos salariais.

• Automação do cruzamento entre cargos internos e benchmarks externos, agilizando tarefas operacionais.

É crucial, no entanto, que a tecnologia seja vista como uma aliada indispensável do RH, liberando tempo para o olhar crítico humano. A IA ajuda a padronizar, acelerar cálculos e encontrar padrões, mas a nuance, o contexto e a justiça ainda exigem julgamento humano.

Exemplo Prático de Dados e IA na Remuneração (com decisão humana):

Para calcular o mérito ideal de um colaborador, uma metodologia data-driven pode considerar critérios como performance (40%), posicionamento na faixa salarial (30%) e tempo desde o último mérito (30%). Um sistema com IA analisa esses dados, junto ao orçamento disponível, para priorizar colaboradores e sugerir um mérito por pessoa, exibindo performance, posicionamento na faixa e uma recomendação de reconhecimento. Isso torna os aumentos mais justos e transparentes, reduzindo vieses. A IA também cruza históricos de avaliação e tempo no cargo para apontar quem tem performance consistente e maior propensão a promoção. 

Mas a decisão final é humana: o gestor aceita a recomendação ou a ajusta com base em contexto qualitativo que só ele tem: impacto crítico em um projeto, responsabilidades assumidas recentemente, potencial de crescimento, feedback de clientes, entre outros. O sistema registra a justificativa (aceitar/ajustar/exceção), fortalecendo a governança e alimentando o aprendizado contínuo sem substituir o julgamento humano.

Maximizando o Engajamento e a Retenção

Programas de remuneração personalizada e estratégica, que incluem Incentivos de Longo Prazo (ILPs)Incentivos de Curto Prazo (ICPs), são fundamentais para criar uma cultura de parceria e comprometimento. ILPs alinham os interesses dos colaboradores aos objetivos de longo prazo da empresa, incentivando uma cultura de alta performance, desempenho e retenção a longo prazo. Já os ICPs recompensam por metas específicas e desempenho de curto prazo.

Um alto nível de engajamento, frequentemente impulsionado por uma remuneração e benefícios bem comunicados e personalizados, resulta em benefícios tangíveis para a organização:

• Aumento de 21% na lucratividade*

• Aumento de 17% na produtividade*

• Redução de 59% no turnover*

• Melhora de 10% na satisfação do cliente*

Gallup - The Right Culture: Not Just About Employee Satisfaction

Programas de incentivo bem estruturados não apenas impulsionam o desempenho a curto prazo, mas também ajudam a construir uma cultura organizacional sólida, onde os colaboradores se sentem valorizados e parte do sucesso da empresa.

Exemplo Prático de ILPs e ICPs:

• ICPs: Para uma equipe de vendas, um sistema de comissões é um ICP direto que recompensa o atingimento de metas de vendas. Para a empresa como um todo, a Participação nos Lucros e Resultados (PLR/PPR) é um ICP que alinha os colaboradores aos resultados gerais do negócio, geralmente pago anualmente.

• ILPs: Uma startup em fase inicial pode oferecer Stock Options (SOPs) com vesting baseado em tempo e metas, atraindo talentos pelo potencial de crescimento futuro da empresa, mesmo com recursos financeiros limitados. Já uma empresa de tecnologia listada na bolsa pode combinar Performance Share Units (PSUs) para executivos (vinculadas a metas financeiras de longo prazo) e Restricted Stock Units (RSUs) para colaboradores estratégicos (com vesting para retenção), e ainda um programa de compra de ações com desconto para todos, incentivando o senso de ownership.

Imagine usar a combinação desses dois instrumentos de forma personalizada com o perfil do colaborador e objetivo de negócios da área/empresa, criando um "cardápio" de recompensas que não apenas reconhece o desempenho imediato (ICP), mas também fomenta o senso de "dono" e o engajamento de longo prazo (ILP)

Essa abordagem estratégica, apoiada por dados e inteligência artificial (IA) para personalizar pacotes e prever tendências e necessidades, permite otimizar investimentos em talentos, reduzir o turnover e impulsionar a lucratividade e a produtividade, transformando a remuneração em uma alavanca fundamental para a cultura e a estratégia do negócio. Dessa forma, o H atua como um protagonista estratégico, traduzindo o impacto das pessoas em resultados tangíveis e sustentáveis para a organização

Desafios e o Toque Humano

Apesar dos benefícios, a implementação de ILPs e ICPs no Brasil enfrenta desafios. A complexidade regulatória, os custos de implementação e manutenção, a cultura empresarial tradicional (focada em salários fixos e bônus de curto prazo) e a aceitação dos funcionários (que podem preferir remuneração mais imediata e tangível) são obstáculos significativos para os ILPs. Para os ICPs, o foco excessivo em resultados de curto prazo pode negligenciar atividades que geram valor a longo prazo, e é essencial que sejam percebidos como justos e atingíveis.

Apesar do avanço da IA, o toque humano é indispensável para lidar com exceções e cenários complexos. É crucial ter um olhar humano crítico para interpretar dados e assegurar que a IA não perpetue vieses históricos, exigindo a governança dos algoritmos e a auditoria periódica das recomendações da IA para garantir justiça.

O RH deve capacitar as lideranças para interpretar dados com profundidade, entender o impacto das decisões salariais e de reconhecimento, e agir com mais equidade. A combinação de ferramentas inteligentes com inteligência humana é o caminho para a inovação de verdade.

Em conclusão, a era do Total Rewards 3.0 é sair do “tamanho único” e entrar na personalização orientada por dados e IA. A provocação é direta: se plataformas de consumo já antecipam o próximo clique, por que o RH ainda não antecipa quem pode sair, o que cada pessoa valoriza e quais ajustes evitariam perdas? A resposta está em trazer essa disciplina para dentro: usar IA para diagnosticar, simular e recomendar, e líderes para aceitar, ajustar e justificar com o contexto que só o humano enxerga. 

Quando as recompensas sob medida se conectam à estratégia e à cultura, o RH assume o papel de protagonista e transforma investimento em pessoas em crescimento e engajamento sustentáveis. O futuro não é IA versus humano, é IA + julgamento humano para criar ambientes mais justos, motivadores e produtivos, e para definir se você vai liderar essa virada ou ser liderado por quem já opera assim.


 

Gente e gestão

Compartilhe esse post

Copiar Link
Compartilhar no Whatsapp
Compartilhar no LinkedIn
Compartilhar no Twitter
Compartilhar no Facebook

0

Últimas publicações

Mais sobre: Gente e gestão