Futuro do trabalho com IA: e se o maior risco for humano?

Veja como a IA está mudando o trabalho, os profissionais e o papel do RH em entrevista com Ana Maria Frattini.

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Por Think Work

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11 de Junho de 2025

Leitura de 6 min

Desde que a inteligência artificial generativa virou febre em 2022, muita gente correu para discutir o futuro do trabalho. Mas o futuro, para quem presta atenção, já começou faz tempo. Robôs e algoritmos vêm transformando empregos desde o início dos anos 2000.

No campo, na indústria e nas operações, tarefas deixaram de ser manuais e passaram a ser digitais. O que antes exigia esforço físico, hoje exige leitura de dados.

Quem acompanhou esse movimento de perto foi Ana Maria Frattini, pró-reitora de pesquisa da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e uma das pioneiras na pesquisa em automação industrial no Brasil.

“Esse movimento permitiu que funcionários dos ambientes fabris fossem realocados para salas de controle que ficam a 500 metros de onde ocorrem os processos. São espaços com ar condicionado, sem cheiros e sem perigo”, explica Ana Maria em entrevista à Think Work.

Engenheira química de formação, Ana Maria pesquisa automação industrial há mais de 30 anos. Em sua tese de doutorado aprofundou-se nos benefícios das redes neurais artificiais para o ajuste automático de processos de separação de substâncias, garantindo mais eficiência e economia de energia. Sua pesquisa,  defendida em 1995, já previa que a inteligência artificial substituiria alguns humanos.

“Nosso viés, como engenheiros, é diferente”, explica Ana Maria. “Para nós, essa tecnologia veio para ajudar, retirando o trabalhador de um ambiente que nem sempre é seguro ou agradável. Muitas vezes, ele ficava exposto a produtos voláteis ou explosivos, além de condições extremas de pressão e temperatura.”

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Do chão de fábrica à sala de controle

Os benefícios da tecnologia vão além da segurança dos trabalhadores. Ela também elevou a qualidade dos produtos. Antes da IA, o resultado da produção dependia de quem operava a máquina. “Em três turnos diários, pelo menos três operadores manejavam a máquina. Os dados dos sensores mostravam variações no modo de operação de cada um, resultando em um produto final sem padronização”, lembra Ana Maria.

Com inteligência artificial no comando, o processo ficou mais preciso, com menos perdas. Algoritmos interpretam as informações coletadas e definem as ações necessárias para garantir qualidade, otimizar recursos e reforçar a segurança operacional, controlando fatores como pressão, temperatura e fluxo. 

O impacto vai além de uma fábrica. “Nem sempre se trata do produto final que vai para o consumidor, mas de um benefício para toda a cadeia de produção”, afirma a pró-reitora. “O teste de qualidade que a empresa receptora da matéria-prima precisava realizar torna-se menos rigoroso, pois o material já sai com um certificado de qualidade. Isso agiliza significativamente o processo e gera um impacto expressivo.”

Nova indústria, novos profissionais

Assim como o operador de máquina aprendeu a comandar uma sala de controle, os trabalhadores do campo passaram a pilotar drones e a lidar com máquinas autônomas. A tecnologia não está só mudando o “como”, está mudando o “quem”.

“A palavra-chave, em qualquer momento, seja no começo do século ou agora, com a IA generativa, é a capacitação”, resume a pesquisadora. “Não vai mais existir trabalho para aquela pessoa que não tem o mínimo de conhecimento, de letramento digital.”

A inteligência artificial, contudo, não é uma sentença de desemprego. Ana Maria enxerga que a transformação digital ainda deve criar muitas oportunidades. “Quando uma organização busca a digitalização, não consegue fazer isso sozinha. O que ocorre, na verdade, é a contratação de consultorias externas de tecnologia para trazer expertise ao processo. Enquanto alguns postos podem ser fechados internamente, um grande número de vagas é gerado em empresas de tecnologia”, afirma. 

Essa conta já está desequilibrada. Segundo a Associação das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação e de Tecnologias Digitais (Brasscom), o Brasil forma 53 mil pessoas na área por ano, enquanto o déficit por esses trabalhadores deve ultrapassar as 500 mil vagas ainda em 2025.

O papel (humano) do RH

Se antes o medo da automação era coisa de chão de fábrica, agora ele chega também às baias e salas de reunião dos escritórios.

Segundo a pesquisa Inovação nas Empresas e no RH, realizada pela Think Work em abril de 2025 com mais de 700 profissionais, nove em cada dez trabalhadores de áreas como finanças, TI, contabilidade e gestão já usam IA no dia a dia. Mesmo assim, mais de 40% temem perder espaço para as máquinas.

Durante uma visita ao Vale do Silício em 2024, para entender o impacto da nova ferramenta no mercado, Ana Maria ouviu de um analista que algumas empresas estavam optando por não automatizar a parte administrativa para preservar empregos. Para ele, as corporações que evitarem a IA generativa só para proteger empregos estão assinando sua sentença de morte. “Segundo esse analista, com o surgimento de empresas 100% digitais e inteligentes, quem resistir à transformação simplesmente deixará de existir em cinco ou dez anos”, lembra Ana Maria.

Se o futuro é inevitável, o que fazer agora? O caminho, segundo a pesquisadora, passa por clareza, planejamento e comunicação. Líderes e equipes de RH têm uma missão: trabalhar para que as corporações estabeleçam uma política de transformação digital transparente para todos.

Na sua visão, os funcionários precisam saber o que a organização pretende com a tecnologia adotada, como ela será implementada, quais os impactos e os próximos passos a curto, médio e longo prazo. “O estabelecimento de políticas transparentes é o primeiro passo para não deixar ninguém apavorado.”

A geração que delega o pensar

Enquanto as máquinas aprendem cada vez mais, uma nova ameaça entra em cena: a perda da capacidade analítica das pessoas.

Diferentemente das gerações passadas, que viveram na era analógica, a geração Z entrou no mercado de trabalho já mergulhada na cultura digital. Para muitos, o conhecimento está a um clique. “A geração que está chegando acha que não precisa ter conhecimento na mente nem se capacitar, porque está tudo na máquina”, alerta Ana Maria.

Cabe às universidades e aos educadores – e, sim, ao RH e às empresas – reforçar nos jovens o que a IA ainda não entrega: pensamento crítico, criatividade e análise.

Na Unicamp, por exemplo, a pró-reitora está desenvolvendo diretrizes para o uso da inteligência artificial em sala de aula. “Proibir não é o caminho”, diz. “Precisamos deixar claro que a ferramenta deve ser utilizada de forma ética e para criações sob as quais se tem domínio. É fundamental saber avaliar se o que a IA gerou está correto ou não.”

Ana Maria também reforça a necessidade da transparência. É preciso deixar evidente quando a tecnologia foi empregada, salvaguardando inclusive direitos autorais.

O desafio do novo mundo do trabalho não é só tecnológico. É cultural. E o papel do RH, mais do que nunca, é ajudar as empresas a entender o que vale a pena automatizar e o que jamais deveria ser terceirizado: o pensamento.

 

*Conteúdo inédito da Think Work Lab para o Acrescenta, do iFood Benefícios. Em breve, também disponível no Think Work Lab, na área exclusiva para assinantes.

 

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