Futuro do trabalho com IA: e se o maior risco for humano?

Processo seletivo do programa de trainee recebeu 10.000 inscritos a mais do que no ano anterior ao focar em nove grupos de diversidade
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2 de Julho de 2025
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O Grupo Cataratas, responsável pela gestão e operação de parques e atrações de turismo sustentável no Brasil, como as Cataratas do Iguaçu, no Paraná, sempre teve a diversidade como um valor inegociável.
Estudos mostram que empresas diversas colhem benefícios como inovação, melhores relações de trabalho e crescimento financeiro, e entre eles está o relatório da consultoria McKinsey. No entanto, internamente, a realidade do Grupo Cataratas não refletia essa diversidade desejada.
A companhia, que emprega cerca de 1 mil funcionários, enfrentava um cenário onde a maioria dos profissionais contratados tinha características homogêneas, como gênero, idade e formação.
“Quando olhamos para dentro, vimos que só tínhamos, por exemplo, pessoas que se identificavam como cisgênero. Entre os que chegavam no programa de trainee, a maioria era engenheiro”, conta Isabela Militino, então líder da área de transformação do Grupo Cataratas.
Foi então que a organização percebeu que precisava quebrar vieses inconscientes, que faziam com que as contratações fossem sempre de pessoas parecidas em relação a esses pontos.
Índice:
Em 2020, o Grupo Cataratas deu o primeiro passo para transformar essa realidade, criando a área de Diversidade, Equidade e Inclusão, com representantes de nove grupos: mulheres, pretos e pardos, povos tradicionais, refugiados e imigrantes vulneráveis, mães, pessoas com deficiência, 50+, LGBTs e pessoas trans.
O segundo passo foi fazer a seleção de trainees. Em 2021, o programa “Só Feras” foi reformulado para “Só Feras Plurais”, com um processo seletivo às cegas focado nesses grupos de diversidade.
Os candidatos passaram por um teste de afinidade com a cultura da empresa e escolheram entre atuar no setor técnico ou de operações. “Tínhamos um déficit de liderança nessas duas áreas e queríamos atrair profissionais como veterinários e biólogos, que têm a ver com nossa atuação. Por isso, em vez do job rotation que havia antes, decidimos pedir ao candidato para escolher uma das duas áreas”, diz Isabela.
A companhia eliminou algumas exigências, como inglês fluente, e tornou todo o processo de candidatura anônimo, evitando vieses inconscientes. Os gestores não sabiam a faculdade, o curso, o gênero, a idade e nenhuma informação que pudesse criar um viés na hora da seleção.
“Ouvimos comentários dizendo que baixamos a régua, mas não foi isso. Apenas decidimos avaliar melhor. Por exemplo, um candidato muito focado em resultado, não vai ser feliz aqui dentro. Tem outros aspectos importantes para a empresa que buscamos nas pessoas. Não se trata de caridade”, explica Tales Abreu, que era líder da área de Seleção Natural na época.
Na etapa final, 20 candidatos apresentaram projetos para a diretoria e presidência, que estavam de olhos vendados, garantindo uma avaliação justa e focada no conteúdo. Cada um deles tinha dois minutos para convencer metade dos ouvintes a tirar a venda. Quem conseguisse, ganhava mais cinco minutos para sua exposição.
Para Tales, o mais desafiador foi o fato de ter aberto a seleção para grupos plurais. “O grupo já tinha passado pela experiência de fazer uma seleção assim, às cegas. Não sabíamos se haveria gente suficiente”, conta ele, que não esconde que a equipe enfrentou resistência externa no início. “O mercado pode ser cruel, um candidato pode chegar maltratado por outros processos seletivos. Por isso, utilizamos o Instagram da empresa para mostrar todas as etapas, dando feedback de como havia sido cada uma. Tudo de forma muito pautada, bem alinhada para que ninguém desistisse. E foi muito gratificante ver, no final, talentos tão excepcionais.”
Essa abordagem acompanha a cultura organizacional do Grupo Cataratas, que preza pela valorização da inclusão e da meritocracia.
O processo seletivo às cegas incentiva a formação de uma equipe diversificada e representa uma vantagem competitiva, pois traz perspectivas diversas e estimula a inovação.
A edição de 2023 do “Só Feras Plurais” bateu recorde de inscrições, com 25 mil candidatos, 10 mil a mais que no ano anterior. Desses, 80 foram selecionados para a etapa presencial e 20 chegaram à fase final. Quatro candidatos foram escolhidos para o programa de trainee, que tem duração de dois anos: duas mulheres, sendo uma negra, e um homem negro.
Após a seleção, os novos trainees passaram por um período de integração de três meses, conhecendo a essência e cultura da companhia e vivendo o dia a dia dos parques.
O programa de trainee do grupo existe desde 2017. Ao todo, já teve 12 trainees e todos foram efetivados. Até setembro de 2024, seis ainda continuavam na corporação, além dos quatro que tinham acabado de chegar.
“Com esse modelo, conseguimos juntar o propósito de negócio com o de empresa cidadã. A gente sabe que a diversidade traz ganhos de produtividade, gera inovação. Participando desse ponto e da forma como fizemos a seleção, já conseguiremos sanar um gap de liderança nas áreas técnica e de operações. Selecionar pessoas que já chegam alinhadas à cultura da empresa e que podem ser formadas como líderes internamente é um benefício enorme”, diz Isabela.
Como resultado do processo seletivo às cegas, o Grupo Cataratas não só aumentou a diversidade entre seus quadros, mas também fortaleceu sua cultura organizacional e a capacidade de inovação.
O foco em fortalecer os pilares do negócio — educação, pesquisa, conservação e entretenimento — reforça o compromisso com a sustentabilidade e responsabilidade social.
Ao selecionar trainees que compartilham essa visão, a organização amplia suas capacidades para enfrentar os desafios do mercado no setor de turismo. Os trainees trazem novas perspectivas, habilidades e conhecimentos para desenvolver soluções inovadoras e alinhadas com as práticas de sustentabilidade, contribuindo para o crescimento do negócio e o impacto positivo no meio ambiente.
Até 2024, houve apenas uma edição do Só Feras Plurais, mas vale observar o avanço dos grupos de diversidade desde que a área de Diversidade, Equidade e Inclusão foi criada.
Antes dela, em 2019, o grupo Cataratas contava com 42% de mulheres entre seus funcionários e 43% de pretos e pardos. Cinco anos depois, elas representavam 55%, sendo 40% da liderança. Já o índice de pretos e pardos passou para 52%, e 44% da liderança.
Conteúdo publicado originalmente na Think Work Lab em 9 de setembro de 2024 com o título “Grupo Cataratas reforça diversidade com seleção às cegas”. Atualizado em 21 de maio de 2025 para o Acrescenta, do iFood Benefícios.